O marketing se profissionalizou. Perdeu sua sensibilidade cultural – sua característica de arte e ofício.
Não tem como falar de marketing sem olhar para a Unilever – a gigante do marketing profissional que vive muito mais de gerenciar marcas do que de criá-las.
Unilever (na época Lever Brothers) e suas grandes colegas, Procter & Gamble, Colgate-Palmolive, foram talvez o principal meio onde o marketing se profissionalizou e com o tempo ganhou uma aparência cientificada.
Essa roupagem ‘científica’ teve grande influência vinda da área da gestão – do pensamento de Peter Drucker, da turma da escola do pensamento científico, (Frederick Taylor, Henri Fayol e outros) como também de práticas, técnicas e modelos da McKinsey & Co.
Nos últimos 100 anos o crescimento e expansão de grandes indústrias e empresas não seria possível sem as premissas da gestão moderna: hierarquia, especialização, uniformização, controle. Por isso o surgimento de inúmeras inovações em cadeia de vendas, entrega de serviço, tecnologia de informação.
No entanto, o custo desse crescimento foi altíssimo. Foi cada vez mais expulso das organizações o viés humano, suas limitações e possíveis contradições. Ver “The Theory of Social and Economic Organization” de Weber.
E nessa história da gestão o que acabou acontecendo com o marketing?
A inquestionável busca para minimizar custos, racionalizar processos, maximizar resultados, foi também aplicada ao marketing. Os procedimentos burocráticos e métodos científicos enraizados na gestão Taylorista da produção de massa, não perdoaram o que antes era uma arte e ofício.
A ‘cientifização’ do marketing disparou. A sensibilidade e compreensão humana foi cada vez mais eliminada. O humano foi desaparecendo. A capacidade empática e a sensibilidade cultural foi extorquida. Abusada. No lugar, fórmulas e mais fórmulas e modelos de comportamento humano.
E entraram na lógica não só o marketing, mas um conjunto de agências, empresas de pesquisa e consultorias que giram em torno dos grandes profissionais do marketing. Esse conjunto de empresas de serviço se ligou pelo pensamento burocrático e suas premissas.
Historicamente, a capacidade sedutora de uma empresa, chame ela de marketing ou o nome que preferir, sempre foi uma arte e ofício essencialmente humanos. Dotada de empatia e sensibilidade cultural.
Olhe ao redor. Quem mais constrói marcas culturalmente relevantes? Com certeza não são as grandes mas sim empreendedores pequenos e médios. Esses com sua capacidade e sensibilidade cultural afiadíssimas, criam marcas com crenças e causas que movem e juntam pessoas.
O problema é que muitas vezes falta nos pequenos e médios o que tem sobrado nas grandes: procedimentos. E muitas marcas acabam sendo vendidas para as grandes. Talvez esse seja o pipeline de inovação delas – comprar, pois não conseguem criar.
E nesse contexto de questionar e repensar o marketing, em uma tentativa de voltar às ‘origens’, Keith Weed (que é o cara do marketing da Unilever, há mais de 30 anos na empresa) estreia sua palestra em Cannes com o título “Crafting Brands for Life: How Unilever is Reinventing Marketing”.
Curioso o título.
A palestra foi quase um pedido velado de desculpas. Keith junto ao seu vice presidente de marketing, Marc Mathieu, confessou que nas últimas décadas do século XX o marketing se tornou a busca de vender pelo bem da própria venda.
Disseram aos profissionais que o marketing deveria voltar à sua origem e contribuir para o progresso social. Ele desenvolve essa ideia explicando que a disciplina deveria ser o equilíbrio entre lógica e mágica e se tornar cada vez menos sobre o processo e mais sobre colocar a vida das pessoas no centro de tudo. Implicitamente, baniram o termo consumidor.
Interessante. Mas infelizmente essa não será a realidade nos próximos 10 anos ou mais da Unilever. A estrutura burocrática centenária não permite essa mudança.
A Iron Cage que Weber retrata e a estrutura de controle da gestão que Garry Hamel tanto critica ainda não permitem colaboração e sensibilidade cultural em tal contexto. Tudo ainda é muito segmentado. No marketing, por exemplo, as equipes de pesquisa, são separadas das equipes de estratégia e das de design.
É preciso quebrar com isso? Não sei, depende. O que sei é que as grandes vão sofrer muito nas próximas décadas. A quantidade de pequenos e médios empreendedores com sensibilidade cultural, e baixíssima profissionalização do marketing, vai aumentar bastante e incomodar muito.
Nos Estados Unidos, por exemplo, a Unilever já vendeu sua unidade de “laundry business” em 98 para a Vester, uma empresa de fundo de investimento. Ao ser questionado por quais cargas d’água foi vendida e ainda num mercado chave como o Norte Americano, a desculpa de Keith foi que no final das contas é sobre escolha e a escolha que fizeram é a de que possuem melhores oportunidades de investimento em outras partes do mundo.
Para mim a palestra de Keith em Cannes responde a essa pergunta. Por que diabos venderam? Simples, a arte e ofício (humano) foi deixado de lado e suas marcas nesse mercado não participam mais do dia a dia das pessoas, não são meios pelos quais se identificam e se expressam. E agora o custo é muito alto para resgatar o humano.